27.3.04

DITADURAS, DEMOCRACIAS E OS AMIGOS

Que os Estados democráticos tenham relações com Estados não-democráticos, é algo que decorre da natureza das relações internacionais normais, às quais qualquer Estado, independentemente do respectivo regime, está obrigado.

Daí a que a democracias sejam “amigas” de Estados e regimes não-democráticos é que já é um passo inaceitável, na medida em que um democrata não pode aceitar o relativismo de que o que é bom e desejável para a sua comunidade seja mau ou inoportuno para outra comunidade. Nesse sentido, a democracia e a liberdade tem um alcance global.

Que um Estado como a Líbia, com um passado de apoio e formação a grupos terroristas, reformule a sua posição e adopte medidas de combate ao terrorismo é algo de naturalmente positivo. Que um ditador e um regime como o Líbio passe a ser considerado “amigo” não é aceitável. Que o Estado Líbio passe a ser apontado como “um exemplo a seguir” pelos demais Estados árabes é um exagero de mau gosto.

Um dirigente democrata deverá advogar sempre, sem excepção, a rápida transformação de um Estado ou regime não-democrático numa plena democracia. Sempre, sempre.
Tal atitude, coerente com os princípios que as sociedades democráticas respeitam e defendem para todos, em nada colidirá com as relações institucionais que sejam necessárias estabelecer com as não-democracias. Mas no plano dos princípios, tal deverá ser sempre dito e reafirmado.

Não é portanto credível que a Líbia seja apresentada como exemplo para ninguém, quando um democrata o que naturalmente deseja é o derrube imediato do líder Líbio. Sabe-se os acordos de exploração petrolífera assinados pelas principais companhias britânicas na mesma ocasião da visita de Blair à Líbia têm o seu peso político e económico. Mas mesmo assim, há coisas que não se devem aceitar e que a longo prazo tem os seus custos.

No mesmo sentido, Colin Powell ao afirmar que o ditador do Paquistão é um parceiro incortornável e fiável dos EUA prestou um péssimo serviço à democracia e aos próprios interesses dos EUA e das democracias em geral. Pensemos apenas nos opositores democráticos paquistaneses que continuarão a ser reprimidos, agora com a benção ou no mínimo com o fechar de olhos dos americanos. Um dia, esses opositores serão levados a virar-se para outro lado: ou para a violência radical ou para parceiros mais seguros.
Também Arábia saudita é encarada pelo ocidente e pelos Eua em especial como um parceiro de confiança. Santa estupidez! Estes dois países (Paquistão e Arábia) eram os únicos a ter relações diplomáticas, forneciam comercial, militar e financeiramente o regime afegão dos talibans. E permanecem com total impunidade e confiança reforçada!
Os regimes democráticos deveriam, em qualquer caso, apoiar politica e financeiramente os grupos internos ou externos de opositores de qualquer regime não-democrático. Sempre. Por questões exactamente de princípio e da própria salvaguarda dos seus interesses de longo prazo.

Com a confiança demonstrada por Blair na Líbia e Powell nos sauditas e no ditador paquistanês, está-se a dar campo e a incentivar os opositores a procurarem novos apoios, que de certeza encontrarão com maior facilidade junto de grupos islâmicos radicais. Na prática, não terão grande alternativa. Depois queixem-se.