22.5.04

MONARQUIA VS. REPÚBLICA



Evidentemente que a questão da chefia do Estado, em regimes democráticos de natureza parlamentar, não tem qualquer relevância política, sendo indiferente que ela seja exercida por um titular eleito, ou designado por sucessão dinástica. As funções desempenhadas por qualquer um deles são meramente protocolares e simbólicas, sem qualquer vestígio de poder soberano.
Pelo contrário, em regimes de atenuação da legitimidade política do parlamento sobreleva a figura do chefe de Estado. Nos modelos republicanos, o chefe de Estado só poderá ter poder político se tiver legitimidade democrática, isto é, se for eleito por sufrágio universal. A não ser assim, verificar-se-ia uma apropriação indevida de poderes sem representação nem legitimidade, pelo que estaríamos no pleno domínio do uso da força como forma aquisitiva e legitimadora do poder político. Por isso, nunca as monarquias constitucionais podem conceder poderes efectivos ao chefe de Estado, sob pena de perderem o seu cariz democrático e converterem-se em autocracias mais ou menos ditatoriais.

Neste ponto, e tendo nós a vantagem de pertencer a uma zona do mundo que vive em democracias estabilizadas, a polémica Monarquia vs. República tem o mesmo valor que uma disputa sobre um clube desportivo, uma questão literária ou artística. As consequências de uma ou outra opção constitucional são indiferentes, podendo, quando muito, discutir-se se um ou outro modelo pesa mais ou menos ao contribuinte, ou se é justo impedir que a cidadania possa aspirar à nobre arte de cortar fitas, ir a funerais de Estado e assinar diplomas de cruz. É uma questão de mero gosto pessoal, para quem queira perder tempo a meditar no assunto.

Por mim, sempre vou preferindo o cinzentismo pardacento da família Sampaio e a bonomia da família Soares, dos quais sei que inevitavelmente me livrarei ao fim de algum tempo, do que ter de aturar o histerismo romântico de telenovela em torno das vidas pessoais e sentimentais dos membros das casas reais, das suas intimidades, dos amores e desamores.
Num mundo povoado de imagens que nem sempre primam pelo bom gosto, em que a mentalidade geral é dominada pelo espírito de novela, não me entusiasma ver o sistema político contribuir para a sopeirização do ambiente. Sem ofensa às tradicionais empregadas de servir, hoje funcionárias de serviços domésticos, cuja sentida ausência é cada vez mais pesada.