28.8.04

DEZ NOTAS SOBRE O ABORTO

1. A interrupção voluntária da gravidez é uma prática tão antiga como o mundo, muitíssimo mais frequente a partir da «revolução sexual» dos anos sessenta, que banalizou as relações sexuais e as generalizou a partir de idades muito precoces.
2. As motivações que a provocam são múltiplas, desde o desejo de não procriar, motivado por egoísmo, temor ou dificuldades várias, até à absoluta inconsciência do acto que se comete. São, por conseguinte, razões de natureza pessoal e íntima, que só a análise da consciência de cada um (ou de cada uma) poderia determinar. E, como se sabe, nem mesmo os positivistas do século XIX afirmaram ter determinado um método para conhecer a consciência individual.
3. O acto de abortar, para as mulheres que o cometem, é extraordinariamente doloroso física, mas, sobretudo, psicologicamente. Exceptuando alguns casos raros desviantes, que sempre existirão em tudo o que é humano, a esmagadora maioria das mulheres que o fizeram ficam afectadas para sempre.
4. É falso dizer-se que a vida só existe a partir do parto, ou de um número determinado de semanas do embrião. A vida não nasce por geração espontânea, antes corresponde a um processo evolutivo que começa, obviamente, na concepção. Quando se faz um aborto, seja em que fase for da gravidez, digamos de forma gentil, é uma vida que não deixamos nascer.
5. No mundo em que vivemos, povoado de imagens de violência gratuíta, impedir o nascimento de uma vida é um acto de inconsciência. «Olhos que não vêem, coração que não sente», é o princípio que poderia aplicar-se à maior parte das mulheres que interrompem voluntariamente uma gravidez até ao momento de o terem feito. Depois,... é tarde demais.
6. Referendar o enquadramento jurídico do aborto é um absurdo. Não é muito diferente do que querer referendar a forma redonda da Terra, o curso dos rios, ou o movimento dos planetas. Ganha a proibição legal do aborto, como aconteceu há seis anos: o que é que mudou?
7. Julgar, absolvendo ou condenando, meia dúzia de mulheres que abortaram e outras tantas abortadeiras, é uma repelente manifestação de injustiça e arbitrariedade. Porque é um castigo a alguns (muito poucos), para deixar de lado uma imensa multidão; porque é uma forma do Estado exercer a sua autoridade por amostragem. Como repelente e indigno é ouvirmos quem governa dizer que não se quer castigar quem aborta, mantendo as leis que fundamentam o castigo.
8. A intervenção das associações cívicas contra o aborto não deverá ser a de exigirem leis, mas resultados. Não deverá ser a de pedir ao Estado que puna, mas que auxilie. Talvez se existirem mais instituições de apoio à maternidade, creches para filhos de mães solteiras e sem recursos financeiros, muitas das mulheres que abortam pensem melhor. Ao Estado caberá promover as condições para que estas associações possam desenvolver a sua actividade, nomeadamente por via de isenções e benefícios fiscais, ou mesmo atribuindo-lhes parte da colecta que recebe compulsivamente, tão frequentemente desbaratada em assessores que não dão acesso a nada que justifique aceder.
9. A Igreja Católica deve condenar o aborto, mas deve preocupar-se mais em promover as condições que permitam a sua diminuição, em vez de procurar influenciar o poder legislativo do Estado no sentido de punir ou de absolver.
10. Muitas vezes, a realidade ultrapassa o direito. Perpetuar uma ordem jurídica com quadros legais que negam o mundo real é a pior maneira de enfrentar os seus problemas e permitir às pessoas que os tentem resolver.