25.10.04

SE EU FOSSE AMERICANO...


Votava em quem?
Em princípio não deveria ter grandes dúvidas. O meu liberalismo coaduna-se com grande parte das ideias do partido republicano - o partido de Ronald Reagan. Nomeadamente quanto à defesa da liberdade individual e à higiénica indispensabilidade de manter o Estado dentro dos estritos limites que o impeçam de a ameaçar. Tal como os republicanos, não acredito nas virtudes do Estado Providência - hoje mantido artificialmente pelas crenças quase metafísicas em que resvalou o comodismo europeu, um morto-vivo à espera que alguém assuma que é já tempo de se desligar a máquina e descobrir como é que se vai pagar a conta hospitalar. Admiro o patriotismo americano que contrasta com a anestesia "social" da Europa. E se me assusto (muito) com a preponderância das seitas religiosas fanáticas na campanha dos republicanos, a generalidade das soluções americanos, em praticamente todas as áreas, parecem-me preferíveis às europeias. E os republicanos são os grandes responsáveis pelo êxito da singularidade americana.
Depois existe outra razão que não consigo superar: trata-se da campanha anti-Bush que é a movimentação de marketing mediático mais vergonhoso a que assisti. Cada vez que vejo um "inteligente" europeu ou um bem-pensante de qualquer lado atacar aspectos pessoais do actual presidente sinto uma onda irreprimível de simpatia com George W. Bush. Considero que o filme de M. Moore (que me surpreendeu pela sua patente parcialidade, pelo bafo de ódio que exala) deve ter causado muitas sensações semelhantes à que senti - exactamente a contrária ao pretendido pelo seu detestável autor.

Nada me liga aos democratas americanos. Kennedy foi um fraco (beatificado pela morte) demagógico e perigoso que pôs o mundo à beira do desastre quando Krutchev lhe mediu o pulso. Jimmy Carter foi o homem do diálogo guterrista avant la lettre que falhou em todos os planos da sua Administração, enquanto o urso soviético ganhava o jogo com batota. Clinton era um irresponsável que potenciou todos os perigos do terrorismo enquanto se entretinha em questões menores e trazia para a praça pública os soap drama da sua vida familiar.
Apesar de tudo, em comparação, apesar da sua inconstância, Kerry não me parece mau de todo. Aliás julgo que o perigo maior passou a partir do momento em que o "Senhor do Berro" foi eliminado nas primárias do partido democrata. Mas Kerry propõe um modelo de sociedade em que não me reconheço - até porque vivo imerso numa das suas tentativas frustradas. Kerry é alguém que tacitamente renega a tradição americana e está pronto a embarcar na lógica decadente da Europa. É, sem dúvida, o candidato querido dos homúnculos que actualmente dirigem o velho continente. Depois arrasta atrás de si uma quantidade considerável de lixo ideológico - não apenas o seu próprio, mas das múltiplas tendências dos seus apoiantes. O execrando folclore do circo anti-Bush assentou arraiais na campanha dos democratas. Se for eleito, na boa tradição dos presidentes democratas, Kerry será um adversário das decisões, estará em estado permanente de hesitação, voltará atrás com as sua medidas mais ousadas, ouvirá o conselho de Chirac e quejandos. Ao mesmo tempo abrirá as portas para os ideólogos da esquerda (pouco) reciclada que, na sua Administração, cedo farão o papel que os neo-cons presentemente assumiram.

Em suma, tudo me afasta de Kerry e tudo me aproxima de Bush.

Mas há o Iraque. E este "mas" não é tão pequeno como gostaria.
Sinto-me grosseiramente enganado nas motivações que foram avançadas para a invasão.
Sinto-me inquieto quando verifico a falta de talento da Administração americana no Iraque do chamado pós-guerra.
Sinto-me aviltado pelos acontecimentos nas prisões iraquianas e em Guantanamo.
Sinto-me enfurecido quando vejo Rumsfeld a tentar abafar esses casos.
Sinto-me intimidado quando assisto a prestações vergonhosas do mesmo Rumsfeld perante duas comissões de inquérito (9/11 e Abu Grahib).
Sinto-me desmotivado quando ainda o mesmo Rumsfeld diz que podem existir eleições livres em apenas certas parte do Iraque mas que isso «é melhor que nada».
Sinto-me assustado quando concluo que todos os muitos inimigos de Sadham estão agora unidos contra os "libertadores".
Sinto-me aterrorizado quando percebo que esta Administração não tem qualquer solução para o vespeiro que atiçou, que se comportam como amadores que não conhecem a história, nem entendem o mundo em que estão.

Quem fez o que fez e faz no Iraque não merece ganhar as eleições. E Kerry também nada fez para lograr a vitória.
Se eu fosse americano NÃO votava em nenhum dos actuais candidatos.