8.3.05

NÃO TENHO JEITO PARA SER "HOMEM DE PARTIDO"

Há cerca de 2 anos encontrava-me num grupo bastante variado de pessoas que tomou a decisão de fazer um partido novo. Embora a maioria dos que então estavam fosse originária do CDS, logo surgiram muitos que não provinham de partido algum. A ideia era criar uma força política nova, lançar gente nova, com ideias novas ou que, pelo menos, fossem estranhas às aborrecidas rotinas da partidocracia portuguesa.
Em poucos meses arranjaram-se as assinaturas legalmente requeridas, percorreram-se os lastimosos rituais dos reconhecimentos de cada uma delas nas Juntas de Freguesia, entregou-se o processo no Tribunal Constitucional.
Desde o primeiro instante, os debates internos foram entusiasmantes: o que defender? Que propostas apresentar? A que família política pertencer?
Claro que eu queria um partido liberal. Mas cedo verifiquei que isso não seria possível, sobretudo pela sociologia heterogénea dos fundadores. Mas, ainda assim, apostei em que o novo partido fosse "o mais liberal de todos" os que por cá existiam.
Ninguém que tenha sido estranho a esse momento fundacional poderá sequer presumir a inesperada qualidade das pessoas que estiveram nesses primeiros tempos. A ousadia das ideias que foram avançadas. A esperança que ali vivia.
Mas, claro, todos conhecíamos as dificuldades. A carga histórica que alguns de nós transportávamos. A obtusidade dos media que insistentemente nos exigiam "caras" conhecidas. E o desconforto de alguns dos principais dirigentes perante a originalidade dos "novos" em prol da sobrevalorizada experiência política dos que a faziam há muito.

Olhando para trás, entendo que o primeiro sinal de que as coisas iriam correr mal foi o hino - foi-se buscar a Dina, a mesma que já tinha feito o hino do PP nos idos dos anos 90. Era um déja vu constrangedor. Com aquela música fora de moda patenteava-se um primeiro esforço patético em reconstruir o lugar em que alguns já tinham sido felizes.
Podia ter-me oposto a isso e estava em posição de o fazer. Não o fiz. Como tantas vezes acontece com tantos de nós, tentei ignorar esses maus sintomas debruçando-me sobre aquilo que corria bem.
Mas a partir da ocasião em que nos começamos a instalar como partido apossou-se de alguns fundadores o extraordinário entendimento de que as ideias que andávamos a construir eram meras teses de "teóricos" que a ninguém interessavam; e que, pelo contrário, fazer política "à séria" resumia-se a "vender" a imagem do presidente do partido, de forma compulsiva, pelas feiras e mercados de todo o país - «a nossa mensagem é o Dr. Manuel Monteiro e não precisamos de mais nenhuma», berravam os auto-proclamados "práticos".
Depressa demais, a desilusão assentou em muitos dos que mais tinham acreditado. Um a um, alguns dos melhores foram desaparecendo sob os mais variados pretextos.
Tentando manter a ilusão dos fundadores fiquei com um pequeno resto. Mas, estupefacto, dei por mim a discutir internamente temas que sempre considerei para além do debate político contemporâneo: a tentativa de definição estatal do conceito de "família normal"; a abolição das 3 excepções da actual lei da IVG; a pretensa imoralidade (?) da inseminação artificial; a viabilidade de uma cruzada homofóbica; as apregoadas virtudes das famílias que não optam por um planeamento familiar e decidem procriar até à exaustão.
Enfim, um discurso até aí escondido, embrulhado no mofo de um conservadorismo granítico que exalava fundamentalismo religioso sublinhado por uma inacreditável recusa em discutir os temas mais prementes da sociedade portuguesa. Os "práticos" assim o queriam porque julgavam estar ali um importante nicho eleitoral - outros acreditavam mesmo naquilo porque confundem a política com a evangelização do povo.

A partir de Novembro passado tudo começou a desabar rapidamente. Os principais compromissos até então assumidos foram renegados pelo presidente do partido sem qualquer discussão: por exemplo, depois de tantos dirigentes do PND, incluindo eu próprio, terem andado a desfazer-se em debates dizendo que éramos contra a dita "constituição" europeia de Giscard mas que defendíamos a União Europeia, deparo-me com uma extraordinária declaração em que se sustenta a saída de Portugal da UE.

Cansado e frustrado, afastei-me e quis sair. Convenceram-me os poucos que restavam a ficar e esperar que a razão voltasse.

Depois veio a crise e convocaram-se as eleições legislativas. O que fazer? Sair e nada dizer? Ficar e participar naquilo que desacreditava?
Escolhi não sair e não participar. E, durante o período eleitoral, nada dizer.Na campanha do PND quase tudo o que temia aconteceu. Aproveitando a consciente apatia dos que estavam dominados por um deslocado sentimento de amizade ou de lealdade com aqueles que lhes não tinham nenhuma, os aludidos "práticos" dominaram o processo numa aliança peregrina com recém-chegados oriundos dos movimentos apostólicos - os mesmos fanáticos que julgam deter o exclusivo da defesa da "vida", da "família" e da maternidade e de toda a moralidade social em geral.
De liberalismo, de mudança, de política "nova", nada se ouviu salvaguardando algumas poucas, mas honrosas, excepções (como foi o caso do Porto e de Leiria).
Prescindiu-se da abordagem séria aos temas que interessavam à classe média portuguesa. Renunciou-se à moderação, a uma linguagem voltada para o centro político. Desdenhou-se assim, estupidamente, a enorme franja do eleitorado que habitualmente vota PSD mas que estava desgostosa com a fuga de Durão e a ascensão de Santana.
Em contraste, o PND assumiu um discurso exclusivamente dirigido aos restos do eleitorado mais retrógrado desmentindo o que havia sido prometido no momento da sua fundação.
Vi tempos de antena que só falavam em "Mães", em que o "aborto" era tido como a principal questão do país e em que o CDS e Paulo Portas eram convertidos nos adversários únicos.
Vi o presidente do PND enredado num discurso umbilical, tragicamente apegado à sua história pessoal, falando continuamente de si e apelando aos eleitores para votarem em «mim».
Vi o presidente do PND a criticar a Nova Concordata - assinada livremente pelo Vaticano e Portugal - por desta resultar a obrigatoriedade do pagamento de impostos para a igreja católica.
Vi o presidente do PND renegar toda a diferença que o partido tentava ser ao dizer aos que votaram e confiaram em si enquanto líder do Partido Popular «vim para o PND para defender os mesmo pontos de vista, os mesmos valores e ideias»!!!

Se foi para defender exactamente o mesmo, porque fazer um partido novo? Porque razão se encheu o verbo apelando a uma "nova" forma de fazer política, porque se criticou tanto o sistema actual quando, afinal, apenas se queria fazer igual ao tempo em que se esteve lá dentro? Aliás, para ser igual ao que já se era há 15 anos atrás, porque raio se chamou ao partido "Nova Democracia"???
E porque se enganou tanta gente de bem que aderiu ao PND apenas com a esperança de estar numa força discrepante que constituísse um factor de alteração deste estado de coisas?
Foi mera táctica ou mentiu-se deliberadamente aos fundadores?
Ou será que o PND apenas se fez para alguns ex-dirigentes do CDS conquistarem a alegria mesquinha de roubarem 1 ou 2 deputados a Paulo Portas?

Nesta campanha o PND tornou-se numa caricatura de si próprio parecendo que os seus líderes tinham decidido comprovar todas as imputações que os seus inimigos lhe haviam dirigido desde o primeiro momento. A força das asneiras cometidas, a miragem de ter achado um nicho de eleitorado nos sectores mais reaccionários da sociedade portuguesa, reduziu-o a uma força que pugna por ideias desgastadas e que advoga juízos pré-modernos da realidade.
O saldo foi de 0,7% dos votos - perante este quadro, a reacção do presidente do PND mal viu uma câmara de televisão à frente foi... atacar, compulsivamente, Paulo Portas. Nem uma palavra acerca de si mesmo...
No entanto, não me passou despercebido o esforço de certos candidatos de assumirem alguma diferença em relação à deriva para a extrema-direita de tez religiosa que o PND começou a sofrer de há alguns meses a esta parte - vi, registei e aplaudi.
Mas no que me diz respeito, estar nesse barco era aparentar concordar com o impossível. Com o contrário de mim. Era negar-me como eu sou. Por isso não estive e, também por isso, quis sair após a turbulência das eleições.

Para mim, basta. Sinto-me ludibriado, acabrunhado, enfadado. Não há desculpas para a minha ingenuidade ao ter acreditado naquilo que tantos sinais desmentiam - mas não consigo ultrapassar o constrangimento de ter levado muitos outros ao engano.
Também, daí decorre a publicidade a este desabafo.