24.7.05

O CARTEIRO TOCA SEMPRE DUAS VEZES



1. Soares, Cavaco, Alegre e Freitas do Amaral.
Em trinta anos de regime, a III República não conseguiu encontrar melhor para a chefiar. Inegavelmente, todos os quatro foram políticos de mérito. Mas, em qualquer país com tradições democráticas sedimentadas, estariam placidamente no remanso do lar a gozar as merecidas reformas. Em Portugal, não. São putativos candidatos a Chefes de Estado, legítimos inquilinos do Palácio de Belém, com contrato de arrendamento para os próximos dez anos.

2. O Estado Novo recorria, também, a venerandas figuras para a titularidade do cargo: Carmona, Craveiro Lopes, Thomaz. A I República não fez muito diferente: Arriaga, Teófilo Braga, Bernardino Machado e António José de Almeida não eram o que se possa dizer uns jovens imberbes na flor da mocidade quando desempenharam os seus cargos. Na III República, de resto, para assegurar a circunspecção da função, a lei constitucional exigiu a idade mínima de trinta e cinco anos para tão altos vôos. Talvez por isso, Guterres e Barroso, dois jovens políticos imaturos, preferiram a emigração. Provavelmente, daqui por dez anos, haveremos de os ver num combate de titãs pela mais alta magistratura da nação portuguesa.

3. A candidatura de Mário Soares significa somente uma coisa: que Sócrates percebeu que a co-habitação com Cavaco seria impossível num ambiente socialmente difícil, com um governo que tem de cumprir critérios de algum rigor e, por consequência, tomar medidas impopulares. A demissão de Campos e Cunha fez entender que nenhum governo está a salvo dos poderes presidenciais, por mais absoluta que seja a maioria parlamentar que o sustente. Esta nova interpretação das funções constitucionais do Chefe de Estado, certamente tão do agrado do Prof. Cavaco Silva, é sem dúvida devida ao Dr. Jorge Sampaio. Se levou José Sócrates ao governo, bem poderá apeá-lo de lá, se em Belém não estiver alguém em plena sintonia com o governo. Bem diz o bom povo que «o carteiro toca sempre duas vezes».