26.7.05

Os factos, a moral e a política (liberalismo e costumes)

Pedro Mexia tem vindo a fazer algumas alegações sobre liberalismo e costumes que não têm nada a ver com liberalismo político. No último post na Mão Invisível, Pedro Mexia escreveu o seguinte:

Já dizer que se é «liberal» e defender por exemplo que a homossexualidade é uma doença ou que a liberdade de cada um dormir com quem quiser significa um apocalipse civilizacional (como insiste o nosso mais conhecido economista moralista), isso não me parece liberal em nenhum sentido da palavra.


Notem que não me refiro às políticas públicas, como o casamento dos homossexuais ou a liberalização do aborto. Estou a pensar na visão que cada um tem da sociedade em que vive, antes de qualquer raciocínio de natureza legislativa. Quem acha que a liberdade sexual (que inclui o direito ao desvario, como todas as liberdades) é essencialmente negativa, tem um entendimento estranho do que é ser liberal.


Uma pessoa que defende que "a homossexualidade é uma doença" está apenas a defender um juizo de facto, que pode estar certo ou errado, e não um juizo político. A homossexialidade ou é uma doença ou não é. Quanto muito esta alegação pode ser uma prova de ignorância mas nunca uma prova de falta de liberalismo. Já uma pessoa que diz que "a homossexualidade é imoral" está apenas a fazer um juizo moral. Não está a fazer um juizo político. Um liberal pode fazer juizos morais sobre si e sobre os outros sem deixar de ser liberal. Já uma pessoa que diz que "a homossexualidade deve ser proíbida pelo estado" está a fazer um juízo político e uma pessoa que faça este juízo político não é liberal. Note-se que, do ponto de vista liberal, a homossexualidade deve ser livre independentemente de ser uma doença ou de ser imoral. O liberalismo defende que o erro é livre, o que não defende é que um erro não é um erro.

Uma pessoa que defende que "a liberdade sexual significa um apocalipse civilizacional" está mais uma vez a fazer um juizo de facto. O que interessa discutir em relação a este juizo de facto é se ele é verdadeiro ou falso. Ele nada nos diz sobre o que devemos fazer se for verdadeiro. Já o juizo "a liberdade sexual é imoral" é um juízo moral. Mas nem tudo o que é verdadeiro ou imoral tem consequências políticas. Do ponto de vista liberal, a liberdade sexual é um direito que é independente das suas consequência para a civilização ou da moral privada que alguns membros da sociedade possam professar. Segue-se que um liberal pode, sem entrar em contradição considerar que "a liberdade sexual significa um apocalipse civilizacional", que "a liberdade sexual é imoral" e que "a liberdade sexual é um assunto privado e o estado não tem que se meter".

A posição do Pedro Mexia é que corre o risco de, do ponto vista político, ser iliberal. Nos comentários ao post citado anteriormente, Pedro Mexia escreve o seguinte:

O que mais me importa é uma visão «liberal» da sociedade, e é nesse sentido que eu sou um liberal.


A visão liberal que Pedro Mexia tem da sociedade não é a visão de uma sociedade meramente tolerante em relação à homossexualidade. O que Pedro Mexia pretende é uma sociedade amigável em relação à homossexualidade, uma em que as críticas à homossexualidade como as de João César das Neves não se ouçam, ou pelo menos não sejam maioritárias. Acontece que o liberalismo só pode garantir uma sociedade tolerante em relação às tendências minoritárias, mas nunca poderá garantir uma sociedade amigável em relação a todas as liberdades porque cada um é livre de não gostar de determinados comportamentos.

Do ponto de vista liberal, a sociedade não é um assunto político e não deve resultar da acção política. Uma sociedade liberal não deve ser o resultado de uma visão que os liberais possam ter porque a liberdade individual é incompatível com visões prévias sobre como essa liberdade deve ser usada. Do ponto de vista liberal, a sociedade deve resultar da acção livre dos seus membros, e o resultado final é totalmente imprevisível. Pode muito bem acontecer que da liberdade, que inclui a liberdade de se gostar ou não se gostar de determinados comportamentos sexuais, não resulte uma sociedade particularmente amigável para os homossexuais. Nesse caso,pessoas que, como o Pedro Mexia, têm uma visão liberal da sociedade, poderão ser tentadas a usar o estado para «corrigir» os resultados espontâneos da liberdade individual.