23.9.05

«Lost in Chiado», starring RAF, realizado por RAF, gentilmente subsidiado pelo MC [remake]

«Cultura é equilíbrio intelectual, reflexão crítica, senso de discernimento, aborrecimento frente a qualquer simplificação, a qualquer maniqueísmo, a qualquer parcialidade»
Bobbio, in carta a Einaudi


Ontem, depois de um dia negro na capital «a soldo do grande capital», tomei (ou bebi?) um café, disfarcei-me de boy e lá parti para o cumprimento da minha função de agente infiltrado, liberal bacteriologicamente puro destacado nas Noites Ímpias da Direita Portuguesa. Ainda hesitei. Mas a presença de Rui Ramos foi suficiente para me ajudar a combater a preguiça e os diabinhos que me insinuavam ao ouvido que seria melhor ficar em casa a ler a Wallpaper e a Art Actuel compradas na Bertrand do Picoas Plaza. Decidi-me, peguei no liberalómetro, saí de casa, não sem antes ler uma curta passagem de Hayek, o único livro além da Bíblia «que não destruiria se tivesse de eliminar as obras com as quais não concordo», juntei-me à porta de casa a um amigo nortenho igualmente desterrado em terras maometanas, apanhámos um táxi e rumámos ao S. Luíz (parece que se escreve com Z, e não com S...).

Sala cheia, um local lindíssimo, uma assistência bastante mais eclética que na sessão do Nicola, as Noites à Direita, desta vez, encheram-me as medidas. Parabéns aos organizadores, parabéns aos oradores, Mega Ferreira, Pedro Mexia, Rui Ramos e Manuel Falcão.

Apesar do disfarce, e do Manuel Brandão não estar à porta a registar quem chegava (sinais dos novos tempos), fui rapidamente identificado.

Por essa razão, impedido de me implodir em pleno Jardim de Inverno, e como a sessão me agradou, prescindi das setenta virgens e inscrevi-me para participar. Infelizmente, porém, quando chegou a minha vez, tive de intervir recorrendo a uma capacidade de síntese que não possuo - devia ter levado comigo o João Miranda - procurando evitar a derradeira hemorragia do que restava de uma plateia em fuga.

Fui expedito na minha intervenção, nem que fosse porque à minha esquerda (sempre a esquerda, não me levem a mal) um senhor me pressionava em voz não muito baixa para me calar; queria ele próprio o microfone (aparentemente para manifestar a sua total desilusão por achar que não teria havido nenhum debate); passei-lhe rapidamente o dito cujo, ao qual se agarrou como qualquer liberal gostaria de vê-lo agarrado, por alguém mais jovem e preferencialmente do belo sexo, certamente, consciente de que uma das vantagens de ser blogger é que podemos no dia seguinte escrever um post com serenidade e sem ruído, e ainda assim sermos mais ouvidos.

Como referi ontem, tenho alguma dificuldade em discorrer sobre a «Direita e a Cultura». Porque ultimamente já não sei bem o que é a Direita, e uma certa atitude socrática que inspira a minha forma de ser leva a achar-me um ser medianamente inculto, em busca de alguma instrução, é certo.

A minha potencial intervenção foi, além do mais, esvaziada, porque qualquer um dos oradores apresentou, muito melhor do que eu o faria, um conjunto de ideias que considero essenciais num panorama que me é caro, a atitude liberal perante a Cultura, uma atitude de exigência, que parte de um espírito aberto, que não se preocupa particularmente com as dicotomias Esquerda/Direita, mas que rejeita os simplismos, as vulgaridades, as manipulações e os maniqueísmos, que consegue ser tolerante sem cair no relativismo, que compreende que o indivíduo só consegue agir em plena liberdade quando cultiva a instrução e desenvolve a sua capacidade crítica.

Uma capacidade crítica que leva a que o indivíduo encare com dificuldade o apoio do Estado a filmes onde só alguns visionários conseguem perceber o que andam a fazer a Branca de Neve e os Sete Anões, espectáculos que não têm assistência, exposições de obras de calibre artístico duvidoso, que faz com que cada um de nós procure seleccionar aquilo que lê, que ouve, que vê, consciente que nem tudo o que reluz é ouro.

Uma palavra especial ao Pedro Mexia que, num gesto de enorme persistência e até honestidade intelectual, não deixou de frisar mais uma vez que se tivesse de adoptar um rótulo seria o de conservador, para que não restassem dúvidas aos que, como eu, receavam vê-lo sofrido e sem apoio estatal a exibir méritos na difícil arte de conciliar liberalismo, subsidiação à cultura e regulamentação ao nível dos costumes. Numa excelente intervenção, PM ajudou-me ainda a descobrir porque razão gosto tanto da cultura: afinal, demarca-se dos liberais porque, aparentemente, vemos a cultura como algo próximo do sexo, como algo tão íntimo que deve ser apenas discutido em privado. Bem, vista a coisa deste prisma, acho que o PM não é liberal, entre outros aspectos, porque defende que a produção cultural deve ser o fruto de um pouco romântico e pago intercourse entre o artista e o Estado.

Mas, se a divergência é esta, Viva o Estado, Viva Cultura!

Parabéns a todos, porque bem o merecem.

Rodrigo Adão da Fonseca

PS: Caro Miguel, peço desculpa de ter fugido à inglesa, mas infelizmente o despertador hoje tocou muito cedo, mesmo muito cedo.