25.10.05

Liberdade a Mais vs. Liberdade a Menos

«O capitalismo não é mais do que liberdade económica. Liberdade de comprar, vender, transaccionar, emprestar, empregar ou empregar-se, contratar, investir ou poupar, importar ou exportar. Liberdade de criar, conceber, correr riscos e de reter os proveitos eventualmente gerados pelas suas apostas ou pela aplicação das suas capacidades. Além disso, não nos podemos esquecer das outras liberdades, as não económicas. A liberdade de dizer bacoradas, a liberdade de ser ignorante e a de querer ser ignorante, a liberdade de mentir ou de falar verdade, de inventar, de interpretar, de discordar, de achar que o que os outros escrevem é uma bosta ou a de idolatrar os heróis da moda, a liberdade de ser feliz ou infeliz, amar ou odiar, a liberdade de ser snob, a liberdade de não gostar de liberdade e até de ser contra a liberdade, a liberdade de meter os pés pelas mãos e apontar para o lado, a liberdade de jurar que nunca se terá sistema de comentários e criá-lo no dia seguinte, liberdade de sermos incoerentes, liberdade de não reconhecer a asneira, liberdade de ler branco e dizer que leu preto. Só temos um limite que não devemos ultrapassar. A nossa liberdade em nada pode diminuir o espaço de liberdade dos outros. São conceitos simples. Vai ver que até era capaz de concordar com eles. Lá no fundo, todos temos uma costela de bons liberais.»

Este foi um comentário feito no dragoscópio em resposta a um outro comentário que respondia a um comentário sobre um comentário feito sobre uma maratona de comentários. E a esta nota, respondeu Timóteo:

«quanto às liberdades que acabaste de enumerar, honra vos seja feita, reconheço que vocês também as praticam. Menos a última: é que a liberdade também é a liberdade positiva pois sem ela, a liberdade económica de um indivíduo pode diminuir o espaço de liberdade dos outros.»

E pare esclarecer a sua opinião, explicou:

«Qual o grau de liberdade de alguém que tem necessidades básicas por satisfazer? Quanto maior é a fome, maior é a limitação da liberdade, pois existe uma razão directa e proporcional entre os constrangimentos decorrentes da insatisfação das necessidades básicas e a falta de liberdade. Alguém com fome apenas pode escolher (e a liberdade é, simplesmente, capacidade de escolher) um comportamento que conduza à saciedade. A falta de liberdade é total.»
...

«As políticas que visam a satisfação das necessidades básicas visam que cada um deles seja mais livre e as políticas redistributivas que visam colocar o maior número de indivíduos com as necessidades básicas satisfeitas visam aumentar a liberdade numa sociedade.»

Timshel sugere que a limitação da liberdade económica é importante porque pode ajudar a aumentar a liberdade de terceiros e que é com a limitação da liberdade económica que se resolvem os problemas da pobreza. Na prática, é justo tirar ao Manuel para dar ao João, porque se o João tem menos que o Manuel, o João tem menos liberdade.

O estado tem que cobrar impostos, o que, apesar de ser em si uma cerceação da liberdade, é essencial para o funcionamento do próprio estado. Como já escrevi em resposta a argumentos semelhantes do Timshel, também não me oponho a que o estado garanta a existência de uma rede de segurança aos cidadãos que verdadeiramente necessitem.

Por aí estamos de acordo. Numa sociedade de abundância, ninguém deve passar fome. Mas não é disso que falamos, não é isso que temos e não é isso que a esquerda exige. O que temos é um estado que promove activamente a utilização da sua rede de suporte, tornando-o atractiva e sugerindo aos cidadãos que a sobre-utilizem, mesmo quando não necessitam. Na maior parte dos casos, o estado tira ao Manuel para dar ao João não porque o João precise, mas porque o Manuel tem. E na prática, o estado faz tudo para que existam cada vez menos Manuéis. Citando-me (já que mais ninguém o faz...):

«Temos um estado que legisla sucessivamente contra o emprego, colocando entraves a quem quer criar riqueza, inibindo a contratação e o investimento, e diminuindo seriamente a probabilidade de sucesso de quem quer investir.

Temos um estado que activa a economia paralela garantido uma fatia significativa dos escassos recursos disponíveis para quem não precisa, e promovendo a atractividade da inactividade; é o mesmo estado que minimiza as possibilidades de criação de riqueza através de uma fiscalidade asfixiante e de legislação absurda, que não dispensa para si uma fatia cada vez maior do bolo cada vez menor.

Temos também um debate político envenenado. Geralmente, são os que agitam a bandeira da solidariedade e que exigem publicamente que o estado consuma cada vez mais recursos com crescentes ajudas aos mais desfavorecidos que pedem legislação cujo principal efeito é a criação de um número cada vez maior de desfavorecidos.

Uma coisa é ajudar quem realmente precisa de ser ajudado. Outra coisa é ajudar a criar um exército de necessitados.»

Para perceber porque é que o que temos é um absurdo, basta tentar contratar um desempregado inscrito num Centro de Emprego, ou sugerir a um beneficiário do RSI uma tarde na apanha da azeitona. Quem é que quer cansar-se quando o estado dá sem esforço? É claro que nenhum liberal pode estar de acordo com este estado mastodonte que nos embrulha e reumatiza, este peso-pesado que se arrasta vagarosamente por cima da sociedade esmagando tudo e todos à sua passagem.

A grande confusão que aqui se estabelece tem a ver com um enviesamento dos conceitos de justiça e de igualdade. A utilização da igualdade como factor de máxima justiça e prevalecente sobre a liberdade pode levar a raciocínios obtusos.

Um exemplo recente pode ser encontrado no Causa-Nossa. Vital Moreira criticou o capitalismo por haver, segundo ele, 150 milhões de chineses pobres. Vital Moreira não criticou o socialismo que por lá deixou mais de 1000 milhões de chineses em regime de subsistência. O que aconteceu na China, nos últimos 20 anos, foi o enriquecimento progressivo de parte significativa da população, justamente aqueles que se foram libertando das amarras da economia planificada socialista e que agarraram as primeiras oportunidades que o capitalismo lhes ofereceu.

Agora há desigualdade onde antes havia apenas miséria equalitária. Ainda bem. Espantosamente, para alguma esquerda, agora é que a coisa está preta. É que só agora é que podemos medir a pobreza em função da riqueza, só agora podemos contabilizar os pobres porque já há ricos para comparar. Já há um limiar de pobreza. E de repente, revoltam-se contra a pobreza chinesa... Para esta esquerda que prefere a igualdade na miséria à desigualdade com riqueza, pobre é o homem cujo vizinho comprou um carro novo.

É esta linha de raciocínio que leva a enormes contradições intelectuais à volta dos limiares de pobreza estatística. Podemos sempre argumentar que o capitalismo encheu a Irlanda de pobres quando na realidade o que aconteceu foi um grande aumento do número de ricos e um crescimento significativo da linha estatística do limiar de pobreza. Esta ideia de que um homem com carro, casa e emprego é pobre nos EUA, mas um homem que viva numa barraca em economia de subsistência não é porque vive em Cuba é um dos maiores contra-sensos da argumentação típica à volta da exigência de maior redistribuição.

A enorme confusão do Timóteo, agarrada a um arreigado preconceito em redor daquilo que ele chama "neo-liberalismo" é não compreender que o liberalismo não é nenhum 'ismo' a favor dos ricos e contra os pobres. É uma questão ética e moral. Até hoje, foi o liberalismo económico que mais bem estar e desenvolvimento trouxe às sociedades. Ou, pelo contrário, foi a falta de liberalismo que sempre trouxe pobreza e miséria.

E gostava também de perceber se ficamos em Marx ou Rawls. Não me esqueço que Timshel também já citou a trágica máxima que levou milhões de cidadãos em todo o mundo à pobreza e à fome: «De cada um de acordo com a sua capacidade, a cada um de acordo com a sua necessidade». Como é que um bom cristão pode voltar a desejar a miséria que o comunismo sempre, sempre, sempre levou aos povos que tiveram a infelicidade de o suportar?