29.3.06

ingenuidades

Ao invés do que escreve Martim Avilez de Figueiredo, na edição de ontem do Diário Económico, não existe qualquer «ingenuidade» em privilegiar as «virtudes do mercado» às «virtudes» do Estado. Do ponto de vista do liberalismo clássico (o norte-americano é, como sabemos, o socialismo democrático europeu, ou social-democracia) o Estado é sempre de desconfiar. E o motivo é simples: a racionalidade dos decisores públicos não é a do «interesse público», mas sim a que corresponde à interpretação, necessariamente subjectiva e politicamente comprometida, do que o «interesse público» possa ser. Em 1975, por exemplo, essa interpretação levou às nacionalizações e à destruição da economia nacional, decisão de que ainda hoje estamos a padecer.
O ponto está, portanto, para o liberalismo, em dimensionar com exactidão para que serve o Estado. E este não poderá ser mais do que um mandatário dos cidadãos que representa, aos quais tem de prestar contas. Só assim são compreensíveis a ideia do «contrato social» e os fundamentos do sistema democrático. Porém, é sempre preferível que sejam os próprios interessados - obviamente, os indivíduos e as suas formas de organização social privada - a contratualizarem as suas relações nos mais amplos domínios sociais possiveis, a ser o Estado - o governo e a administração pública - a fazerem-no.
O critério é simples: se um cidadão puder compor os seus interesses sem necessidade de um intermediário, o Estado não deve intervir. Se carecer de colaboração, deverá ser-lhe dada oportunidade de escolher o parceiro que lhe interessa e oferece melhores condições e garantias (veja-se, por exemplo, o valor da protecção social, e as funções e garantias que o Estado português «oferece» coercivamente aos cidadãos, em contraponto com o que fazem e podiam fazer as empresas privadas em liberdade concorrencial não limitada). De resto, existe uma formulação recente deste princípio, que é a subsidiariedade, ao qual os textos legais da União Europeia recorrem com frequência, embora não permitam a sua aplicação tanto quanto seria de desejar.
Por último, não consigo vislumbrar qualquer «interesse colectivo» que se possa sobrepor à liberdade individual. A não ser, claro está, que do exercício desta última resulte um prejuízo ilegítimo para a liberdade ou propriedade individual de outrem. Mas é para dirimir conflitos de direitos que os tribunais existem. E os liberais nunca se opuseram (bem pelo contrário) à existência do poder judicial. Desde que seja, obviamente, um poder separado dos demais poderes de soberania. Os liberais sabem bem que existem instituições humanas que são geradas pela necessidade e pela utilidade do exercício das suas funções. Ou seja, pela procura de mercado.