24.4.06

Leituras: America at the crossroads.

"America at the crossroads. Democracy, power and the neoconservative legacy." é um livro de Francis Fukuyama, o autor de "The end of history and the last man". A edição analisada é a primeira edição, de 2006, da Yale University Press. À semelhança das anteriores obras do autor, também America at the crossroads é um livro de leitura agradável, atenta a assinalável clareza de exposição por parte do autor.

No prefácio, F. Fukuyama dá conta de uma preocupação central da obra - reflectir sobre o movimento neoconservador e sobre a posição dos EUA no mundo, especialmente após constatar que "unlike many other neoconservatives, I was never persuaded of the rationale for the Iraq war" (pág. x).

É dissecada a referida doutrina neoconservadora, desde logo nos seus aspectos históricos, incluindo análises ao pensamento de L. Strauss e de A. Wohlstetter, entre outros, culminando (pág. 48-9) numa súmula da referida doutrina, caracterizada, segundo F. Fukuyama, por quatro vectores fundamentais, a saber: 1) a convicção da importância do cariz interno dos regimes políticos e de que a política externa deve ter em conta os valores das sociedades liberais e democráticas; 2) a convicção segundo a qual os EUA podem utilizar o seu poder para "moral purposes", sendo que os EUA deveriam manter uma posição internacional activa; 3) a falta de confiança em "ambitious social engineering projects"; 4) o cepticismo relativamente à legitimidade e à eficácia das instituições e das Leis internacionais no que se refere à segurança e à justiça. ###

F. Fukuyama debruça-se, em seguida, sobre a questão da preventive war, designadamente no que se refere ao Iraque e ao mundo islâmico em geral. Seguindo as ideias de O. Roy, o jihadismo constituiria "an attempt to ideologize religion and use it for political purposes, more a product of modernity (like communism or fascism) than a reassertion of traditional religion or culture" (pág. 72-3). O autor sugere que a guerra do Iraque poderia ter sido mais bem justificada pela "untenability of the prewar sanctions regime" (pág. 79), concluindo que a doutrina americana careceria de "be revisited and revised" (pág. 94). A teoria da "benevolent hegemony", associada ao "American exceptionalism", é, de igual forma, sujeita a crítica, considerando o autor que a mesma é "untenable as a long-term basis for conceptualizing American foreign policy" (pág. 111).

Secção sem dúvida interessante é aquela na qual o autor, aliás na sequência do seu anterior trabalho "State-building", se debruça sobre o papel das instituições ("formal and informal rules constraining individual choice", pág. 122), e sobre o papel do estado enquanto "autonomous and active shaper of outcomes" (pág. 130). Para o autor, a good governance contituiria um objectivo tão importante como a democracia, mas as duas estariam de alguma forma ligadas, uma vez que a primeira dependeria do escrutínio público providenciado pela segunda (pág. 140-1).

F. Fukuyama aborda, na parte final da obra, as alternativas que se colocam relativamente ao actual enquadramento, propondo o conceito de multi-multilateralism, um conceito que vê o mundo povoado por "a large number of overlapping and sometimes competitive international institutions" (pág. 158). Neste contexto, se é de opinião que "NATO itself could get a second wind as a security organization in the wake of the collapse of the drive toward a European constitution" (pág. 172), não deixa de dar voz a quem pensa que "The world needs an alliance of democratic states" (pág. 176).

Em conclusão, trata-se de uma interessante obra na qual F. Fukuyama se encontra, em alguma medida, diante de si próprio, uma vez que visita de novo o mesmo território de "The end of history and the last man", aliás discutido no texto (pág. 53-55). Confiemos no prognóstico do autor (pág. 55) "Democracy in my view is likely to expand universally in the long run".

José Pedro Lopes Nunes