27.4.06

O teste do fiador

O mundo está cheio de pessoas inteligentissimas que conseguem prever o futuro antes de ele acontecer. Que conseguem prever o preço do petróleo daqui a cinco anos, que conseguem antecipar uma crise energética, que conseguem saber qual o investimento mais rentável ou que conseguem garantir que uma central nuclear não explodirá.
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Ora, a informação sobre o futuro é a informação mais preciosa que pode haver. É estranho que tantos a andem por aí a espalhar com intenções exclusivamente altruístas. De borla. Uma pessoa que sabe os números do euro-milhões da próxima semana não os diz a ninguém. Quer ficar com o dinheiro só para si.

Quando Patrick Monteiro de Barros nos vem dizer que uma central nuclear é absolutamente segura temos boas razões para desconfiar. Afinal, ele é o principal interessado na central e ninguém o está a ver a defender o contrários. Podemos sempre recorrer a um expert na área nuclear, mas nada nos garante que o expert escolhido não terá ele próprio os seus interesses.

Quando os fulanos do movimento Peak Oil nos garantem que a civilização entrará em colapso quando o petróleo acabar temos boas razões para desconfiar. É que muitos deles querem impôr à sociedade determinadas mudanças políticas sendo a previsão de catástrofre um instrumento para atingir esse objectivo.

Quando o ministro Mário Lino nos diz que o aeroporto da OTA, para além de essencial, terá uma enorme rentabilidade, temos razões para desconfiar, quanto mais não seja porque o estado tem uma história de produção de elefantes brancos que fala por si.

Quando Bagão Felix, Paulo Pedroso, Ferro Rodrigues ou Sócrates nos dizem que a segurança social está salva temos razão para desconfiar porque afinal eles são políticos.

Os mercados já têm há muito tempo uma solução para este problema da desconfiança em relação aos crackpots em potência. O fiador. O Sr Monteiro de Barros até pode ser muito boa pessoa, mas o que eu quero saber é se há alguém que ponha as mãos no fogo por ele. Alguém está disposto a pagar os prejuízos humanos e materiais de um eventual acidente nuclear em troca de uma pequena comissão paga pelo Sr. Monteiro de Barros? Ninguém? Ninguém quer ganhar dinheiro à custa da segurança da central de Monteiro de Barros? O mundo estará cheio de tótós que não gostam de ganhar dinheiro, é isso?

O ministro Mário Lino, percebendo este problema de credibilidade resolveu submeter-se voluntariamente ao teste do fiador. E arranjou bancos e empresas privadas que mostraram algum interesse na Ota. Mas fez uma coisa que um crackpot em busca de credibilidade não pode fazer: subornou os fiadores. Não conseguiu esconder que o projecto da Ota só seria viável se o aeroporto da Portela fosse desactivado, se a ANA mantivesse o monopólio da gestão de aeroportos e se as empresas públicas agissem como fiadores complementares.

Os crackpots do movimento peak oil são aqueles que mais informação sobre o futuro alegam ter. Eles alegam saber o que acontecerá à civilização nos próximos 20 ou 30 anos. Ora, nem sequer precisam de fiador. Só precisam de usar o seu conhecimento detalhado da realidade para mostrar que conseguem ganhar dinheiro na bolsa. Um doomer podre de rico porque investiu antes de toda a gente na companhia de veículos de tracção animal é a prova que eu preciso para ficar convencido que a civilização tal como a conhecemos vai acabar.

José Sócrates, que hoje nos vai garantir que a Segurança Social ficará salva por mais não sei quantas dezenas de anos, também tem que encontrar o seu teste do fiador. Se não o fizer ninguém acreditará nele. Eu tenho uma sugestão: se a segurança social é assim tão sólida, para quê manter os descontos obrigatórios? Vamos fazer de cada português um fiador da Segurança Social e vamos ver quantos é que a ela aderem voluntariamente. Se José Sócrates estiver certo, nem sequer se vai notar a diferença nas receitas. Se estiver errado, bem, se estiver errado a Segurança Social entra em colapso, mas pelo menos ninguém anda por aí a descontar para uma instituição falida.

Graças à existência da figura do fiador nenhum de nós precisa de ser um expert em energia nuclear, petróleo, aeroportos ou segurança social. O fiador é que tem de ter algum conhecimento nessas matérias. Cada um de nós tem apenas que saber avaliar quais as implicações da presença ou ausência de um fiador.