31.10.06

O misterioso relatório Stern II

Claro que o relatório Stern foi divulgado de forma a que a mensagem correcta fosse transmitida ao público. Quem o fez contou com a habitual inércia dos jornalistas. Quem o fez sabia que a algumas ideias chave do relatório seriam reproduzidas acriticamente. Tomemos como exemplo a notícia do DN:

1.

As alterações climáticas exigem acção imediata.

Muito bem. A mensagem que se pretendia transmitir numa única frase. Uma empresa de publicidade não conseguiria fazer melhor e a jornalista fez o serviço de borla.
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2.
Não o fazer terá custos económicos globais idênticos aos das duas guerras mundiais ou aos provocados pela Grande Depressão de 1929,

Vamos a meio da segunda frase e já temos uma comparação entre o aquecimento global e 3 eventos catastróficos do século XX. Bom trabalho. Tenham medo, tenham muito medo.

3.

com perdas que podem atingir 20% do PIB a nível mundial (5,5 biliões de euros), nas próximas décadas.

Muito bem. Podem ... Bem escolhido o valor de 20%. É o valor máximo do intervalo a que o estudo chegou. O valor mínimo é de 5%. Compare-se os impacto da frase "podem atingir 20% do PIB a nível mundial" com o impacto da frase "podem atingir pelo menos 5% do PiB a nível mundial". O alarmismo é muito maior no primeiro caso.

Alguém ficou informado? 20% do PIB mundial do presente ou do futuro? "Nas próximas décadas" é daqui a 10 anos ou daqui a 50?

4.

Evitar a catástrofe de uma recessão, que arrastaria consigo um exército de 200 milhões de refugiados,

Será? O que causa os refugiados, os efeitos directos das alterações climáticas ou os efeitos económicos da recessão? O relatório diz que é por causa dos efeitos directos do clima e não por motivos económicos: "200 million people may become
permanently displaced due to rising sea levels, heavier floods, and more
intense droughts". A jornalista diz que é por causa da recessão.

5.
vai exigir um investimento anual global de 1% do PIB durante os próximos 50 anos.

O valor de 20% de custos é comparável com o valor de 1% de investimento? Tudo indica que não, mas que é que isso interessa? Estes valores estão a ser comparados por tudo quanto é media. A mensagem é clara: evite custos de 20% investindo apenas 1%.

1%? Será que escolheram o máximo do intervalo? É que só o máximo do intervalo é que seria comparável com os 20% de custos. Nope. 1% é um valor intermédio das previsões do investimento. O investimento necessário para estabilizar a concentração de CO2 pode chegar aos 15% do PIB. Os 20% de custos deviam estar a ser comparados com 15% de investimento.

E se for investido 1% do PIB resolve-se o problema do aquecimento global? Evitam-se todos os custos? Pergunta pertinente à qual o arigo do DN não dá resposta. Aliás a maior parte das notícias sobre o relatório Stern não respondem a esta pergunta. Mas a resposta é Não. O 1% de investimento não reduz os custos a zero, logo 1% de investimento e 20% de custos não são valores comparáveis.

6.
A começar já hoje.

A começar hoje? Mas afinal começamos já hoje a pagar 1% mas o custo de 20% só chega daqui a décadas? É bom negócio? Não sabemos porque estão a ser comparados valores que não são comparáveis.

7.
Peça-chave do combate às alterações climáticas é a redução das emissões de gases com efeito de estufa, sobretudo do dióxido de carbono (CO2). Na avaliação de Stern, que confirma todos os anteriores artigos científicos, "as alterações climáticas são já inevitáveis, vamos senti-las nas duas ou três próximas décadas".

Mas o Stern andou a fazer previsões climáticas independentes? Ou fez um estudo económico? Se fez apenas um estudo económico como é que pode confirmar que "as alterações climáticas são já inevitáveis, vamos senti-las nas duas ou três próximas décadas"? Curiosamente muitos órgãos de comunicação social optaram por apresentar como novidade do estudo os impactos do CO2 no clima, mas os impactos no clima não foram o resultado deste estudo mas sim o input do estudo.

8.
O que é possível, garante, e nesse sentido "este é um relatório optimista" é atalhar a severidade das consequências para não se chegar à situação de catástrofe, adverte o especialista.
Fazê-lo vai exigir a estabilização da concentração de CO2 na atmosfera em valores da ordem dos 450 a 550 ppm (partes por milhão) nos próximos 20 anos, para depois se iniciar uma redução de 2 ppm ao ano.

Perá lá, 1% do PIB ao ano para estabilizar o CO2 num valor que é o dobro da concentração pré-industrial? Afinal o 1% do PIB não servirá para evitar os custos totais mas parte dos custos. Alguém viu algum jornal chamar a atenção para esse problema do relatório?

9.

Pelas contas do economista britânico, as metas são altas: para estabilizar a concentração de CO2 no valor que ele propõe, as emissões daquele gás com efeito de estufa terão de estar, em 2050, 25% abaixo dos seus valores actuais. Isso exigirá algo como um corte anual global de 80% nessas emissões.

Perceberam? 80% de quê em relação a quê?

10.
Ironia, coincidência, ou outra coisa qualquer, soube-se ontem também, através de um relatório da ONU, que as emissões de CO2 estão de novo a aumentar no planeta (desde 2000) depois de terem decrescido na década de 90.

É, deve ter sido coincidência.