24.11.06

O menino-mimado



O individualismo do menino-mimado leva-o, sempre que pode, a apropriar-se de um bem da família que, em princípio, também pertence aos irmãos. Como os irmãos são igualmente mimados, a propriedade comum da família deixa de ser vista como um património destinado a assegurar a sobrevivência e a prosperidade da família, para passar a ser vista como um reservatório de bens de onde cada um tenciona sacar, para seu benefício pessoal, à primeira oportunidade.###

O menino-mimado vive permanentemente infeliz. Se ele não tem mais é porque os irmãos se apropriaram indevidamente do quinhão que lhe pertencia e nesta atitude ele é igualado pelos irmãos que pensam exactamente o mesmo acerca dele. Na família do menino-mimado, os irmãos nunca se entendem, na realidade eles acabam a detestar-se mutuamente porque cada um vê a sua infelicidade como o resultado directo do individualismo safado dos outros.

Sempre descontente com aquilo que lhe cabe, o menino-mimado acaba invariavelmente por apelar à autoridade dos pais para corrigirem aquilo que ele vê como uma flagrante desigualdade da sua situação em relação aos irmãos. Os pais acabarão por ceder perante a insistência permanente. Porém, as medidas que eles adoptam não podem senão desagradar aos irmãos, também eles meninos-mimados. É agora a vez de os irmãos apelarem à autoridade dos pais para corrigirem a nova situação que eles próprios produziram.

A recorrência deste processo conduz, a prazo, a que a família do menino-mimado seja governada pela autoridade absoluta e inquestionável dos pais. E, mesmo quando o menino-mimado e todos os seus irmãos já se tornaram adultos, os pais não podem senão continuar a olhar para eles como sempre olharam - como eternos meninos-mimados, incapazes de se entenderem e governarem a si próprios.

À medida que o tempo passa, não são apenas os irmãos que deixaram de se suportar uns aos outros. Cada um deles acaba a contestar a autoridade e a sabedoria dos pais, obviamente incapazes de fazerem uma administração eficaz, e uma distribuição justa entre os filhos, do património da família e dos frutos que dele resultam. Para o menino-mimado, a fonte de todas as suas infelicidades deixa agora de incluir somente os irmãos, para passar a incluir também os pais.

Se algum dia fosse ele - pensa o menino-mimado - a administrar os bens da família e a distribuir os seus frutos, tudo seria diferente. Os bens seriam convenientemente administrados e os seus frutos distribuídos justamente entre todos os membros da família. Assim pensam também os irmãos. A luta pelo poder na sucessão aos pais passa a ser a principal preocupação do menino-mimado, e de todos os seus irmãos.

Esse dia acabará por chegar. Porém, tendo sentido ao longo da vida que os pais sempre discriminaram contra ele em favor dos irmãos, a sua primeira prioridade, agora que se encontra em posição de autoridade na administração dos bens da família, não é a de servir a família, mas a de se servir dos bens da família, a qual nunca lhe deu a parte que lhe pertencia.

Os irmãos vão ressentir e, com o tempo, vão organizar-se para o fazer substituir por um outro dentre eles na administração dos bens da família - o qual, obviamente, não irá fazer senão a mesma coisa que fez o anterior. O processo vai repetir-se e, na realidade, só vai parar no dia em que o património da família tenha sido totalmente dissipado e os últimos laços familiares que ainda uniam os irmãos tenham sido totalmente destruídos.