25.3.07

uma autoridade invisível


Num post anterior, argumentei que, na tradição protestante, cada homem é uma autoridade livre ao passo que, na tradição católica, cada homem é um sujeito livre.
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É a autoridade de que está empossado cada cidadão nos países de tradição protestante que constitui o principal factor regulador da liberdade e que permite ao liberalismo nestes países resultar numa ordem social espontânea. Pelo contrário, nos paises de tradição católica, este liberalismo de tipo anglo-saxónico resulta mais frequentemente numa desordem.###
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Para quem visita um país anglo-saxónico indo de um país católico, uma das diferenças que observa é o cumprimento generalizado das regras de trânsito: os carros param nas passadeiras para dar prioridade aos peões; os peões não atravessam a rua sem a luz verde; os limites de velocidade são cumpridos nas auto-estradas. Numa diferença, que é uma diferença de grau, mas, não obstante, uma diferença considerável, aquilo que tende a observar-se nos países católicos é exactamente o contrário.
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O caso dos limites de velocidade nas auto-estradas é singular. Ao observar o fluxo de trânsito numa auto-estrada de um país anglo-saxónico, parece que existe ali uma autoridade invisível, de tal modo que os carros circulam ordenadamente e dentro dos limites de velocidade impostos pela lei. Pelo contrário, num país católico - excepto quando uma operação stop foi anunciada ou se desconfia da presença de radares e de carros da polícia escondidos ou disfarçados - o mais provável é que um bom número de carros circule muito acima da velocidade legal.
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Na ausência de uma autoridade visível ou previsível, como a polícia, o que é que torna então o trânsito nas ruas e auto-estradas uma ordem espontânea nos países anglo-saxonicos, e uma desordem espontânea nos países católicos? A resposta é a autoridade de que, nos primeiros, está investido cada cidadão.
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Certo dia, vivendo num desses países há pouco tempo, combinei com um amigo passarmos um domingo em conjunto com as nossas respectivas famílias. Saímos de manhã, o destino distava cerca de 100 km, e ele tomou a dianteira, seguindo eu atrás. A estrada era de uma via para cada lado, quase sempre separada por traço contínuo e o limite de velocidade era de 70 km/hora.
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A certo momento, vindo de trás, um carro ultrapassa-nos de uma vez, rompendo o traço contínuo, a uma velocidade que era seguramente superior a 120 km/h. Não liguei. A viagem continuou. Uns quilómetros mais adiante, sempre na dianteira, o meu amigo fez sinal de ir encostar à direita e eu segui-o.
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Ele parou num posto de polícia e eu encostei atrás. Saíu do carro em passo decidido e entrou no posto. Voltou cinco minutos depois e, já cá fora, perguntei-lhe o que é que se passava. Resposta: "Fui denunciar aquele condutor perigoso que passou por nós". Eu fiquei sem reacção. Voltei ao meu carro e ele ao dele e seguimos viagem.
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Vinte minutos mais tarde e uns quilómetros mais adiante, o condutor apressado estava encostado na berma com o carro da polícia encostado atrás dele.